terça-feira, 6 de abril de 2010

Eli: um herói vascaíno


Por Hélio Ricardo - Colunista do SuperVasco
" Saí do cinema anteontem, onde fui assistir a um filme e, dessa película, me veio a inspiração que talvez me faltasse para discorrer sobre o Vasco. O filme chama-se O Livro de Eli, e eu já faço a minha resenha de que é uma obra de rara singeleza. Sua mensagem implícita vai além do entendimento dos que querem assistir a um filme apocalíptico, de aventura ou ficção. O filme constrói uma narrativa paralela a essas expectativas para, de forma exemplar e com riquíssima fotografia, abordar um dos mais nobres e significativos sentimentos do homem: a fé. Não exatamente a religiosidade, mas a fé – que, segundo a própria Bíblia explica no livro de Hebreus, “é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem”. Quando entendemos que fé é isso, entendemos que até mesmo os que se dizem ateus têm seus momentos de fé. Quando vestem a camisa de seu time e vão para o estádio antes da partida, fazem-no porque crêem que voltarão vencedores, que ganharão títulos, que abraçarão uma multidão (de irmãos?) desconhecidos e iguais, entoando os mesmos cânticos e a mesma paixão. Por quem? Pelo clube – essa entidade etérea e inexistente no plano físico ou pessoal, mas que se faz presente nas mentes, nos corações, nas vidas, nas lembranças, nas esperanças de cada torcedor. Torcer por um clube é uma experiência correlata de fé. Quantas vezes não vestimos aquela camisa linda, apaixonante, sozinhos, no interior de nosso quarto... e, ao tirá-la do armário, nos vêm aquelas lembranças de jogos passados, de lágrimas nos olhos, de momentos gloriosos da cruz-de-malta (que é a cruz da ordem militar de Cristo, afinal)? É essa encantadora experiência de fé e resignação que norteia os caminhos do personagem Eli, brilhantemente interpretado por Denzel Washington no filme. Num mundo em cor sépia, destruído pela violência e pela guerra, a dor de um homem solitário não é maior que sua fé e sua esperança em propagar a existência daquilo que, a seus olhos, é a única possibilidade de redenção e reconstrução da Terra: a mensagem poderosa que está em um livro. Do outro lado, seu oponente pretende se apoderar dessa mesma mensagem para manipular, enganar, distorcer. Vai ser sempre assim: a experiência da fé se confundirá com a maldade da raça humana que quer aos outros manipular e de tudo tirar seu proveito. Então o caminho mais fácil será renunciar a fé? Travesti-la num juízo derradeiro de que ela é manipuladora - e não o homem que dela se apodera? Aos mais valorosos, caberá o destino de ser um Eli como esse do filme: peregrinar sozinho pelo deserto, enfrentar sanguinários assassinos e passar sede e fome em nome de um ideal que, enfim, parece justificar esse sacrifício. Sem messianismos e sem deslumbramentos, vejo assim os caminhos do Vasco de hoje. A sanha impetuosa do maniqueísmo desenhou heróis e vilões para digladiarem nessa trajetória da caravela pelos mares revoltosos, e nós, torcedores solitários, não aguentamos mais a dor de ver a camisa abandonada, se perdendo e sendo perdida em campo, trocada por derrotas e indiferenças que jamais seriam capazes de traduzir a verdade do Vasco original. Enquanto os Elis vascaínos saem de casa, trilham as regiões desertosas e respiram poeira e sede nos estádios à míngua, os dias vão passando e nada parece acontecer de diferente. Estamos sozinhos, defendendo nossa crença. Não vemos nada mais que nossa fé e nossa esperança nas trilhas dessa estrada seca e sem frutos, onde ruínas e escombros traduzem aquilo que fomos e tivemos no passado. Mas é a fé, a nossa fé – fruto de nosso sentimento que não para – que nos leva a marchar em busca de diferentes horizontes. O Eli bíblico era aquele sacerdote que via seus filhos roubarem o melhor das ofertas do altar, se prostituírem e enganarem a Deus. Era um pai e sacerdote que, velho e cansado, perdeu o ímpeto de defender sua fé. Nada fazia diante das circunstâncias. Veio-lhe a voz do profeta anunciando que aquele sangue seria requerido de sua inércia, de sua inoperância. Eli perdeu seus filhos assassinados e tombou da cadeira, já velho, quebrando o pescoço e morrendo. Mas o Eli do filme a que assisti era um homem diferente. Ele tinha convicção de sua missão e soube defendê-la até o fim. O Vasco, apesar de tantos desacertos e desencontros, tem homens assim. Tem homens e meninos assim. Sem querer citá-los para não cair na obviedade, ainda é tempo para que esses homens que vestem a nossa camisa se lembrem da torcida que peregrinou pelo deserto árido que foi o ano de 2009, carregando o time nas costas e no coração, empurrando com gritos e lágrimas aquele grupo para a conquista. As vozes daqueles 80 mil que clamavam nos estádios, o canto emocionado e único daqueles “Elis” apaixonados, movidos por um ideal, há de contagiar os novos vascaínos e suas camisas hão de ressuscitar, de se inflamar, de se insurgir contra o marasmo e as derrotas! A imagem de Denzel Washington caminhando no deserto do abandono como quem busca a palavra de esperança e de transformação me deixou uma grande lição paralela: a lição de Adão, de Fausto, Danilo Alvim, Ademir, Bellini, Alcir Portela, Roberto Dinamite (o jogador), Geovani, Tita (o jogador da camisa virada sobre o rosto), Cocada, Bismarck, Valdir, Juninho Pernambucano, Carlos Alberto, Alex Teixeira, Philippe Coutinho... a lição do renovo, da esperança, da superação. O filme falava sobre combater um bom combate, cumprir a carreira e guardar a fé. E eu, um apaixonado por essa cruz de malta e por essa bandeira, saí do cinema achando que Eli era nada mais, nada menos... que mais um torcedor vascaíno! "
Saudações,
Michel Macedo

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